O Mais Antigo Debate do Ceticismo: Uma Pré-História de “Não Seja um Cretino” (1838-2010)
por Daniel Loxton, publicado no SkepticBlog
Tradução gentilmente autorizada, colaboração de Vitor Moura
A conferência “The Amazing Meeting 9” – o maior, mais amplo e mais importante encontro de mentes do ceticismo organizado – está chegando. Parece um bom momento para relembrar a apresentação mais debatida da TAM no ano passado: o discurso do astrônomo Phil Plait “Não seja um Cretino” (vídeo em inglês) pedindo menos xingamentos[1] e mais civilidade na diligência cética:
“A melhor idéia já concebida na história da humanidade é inútil a menos que alguém a comunique. Ela vai morrer no tubo de ensaio. E no nosso caso, o que nós estamos aqui comunicando para as pessoas não é necessariamente algo que elas querem ouvir. E assim, a nossa atitude – como passamos esta mensagem – assume uma importância crucial”.Como alguns leitores devem saber, o discurso “NSC” de Plait desencadeou uma tempestade online que se estende até hoje.
Eu exploro a ética do ceticismo bastante freqüentemente[2] (essa é uma das principais razões pelas quais blogo além de escrever livros e artigos para a revista Skeptic), mas hoje eu gostaria de me voltar para algo mais simples e mais concreto. Vamos explorar uma pergunta histórica direta:
Seria o pedido de Plait por civilidade algo novo para o ceticismo?
Acontece que a resposta é: “Não, nem de longe”. (Por favor, note: Este é longo um artigo, com mais de 4500 palavras)
O Mais Antigo Debate Interno do Ceticismo
Imediatamente após o discurso de Plait, eu comecei a ouvir sugestões de que na verdade o discurso era uma tentativa velada de proteger a religião, e que poderia até estar relacionado a algumas então recentes controvérsias no mundo ateu (controvérsias que eu nem vou fingir ser capaz de acompanhar).Mas chamados similares por um ceticismo mais gentil, mais cuidadoso, pré-datam a blogosfera ateísta por quase 200 anos (como veremos) e provavelmente muito mais. Eles são sobre o ceticismo baseado na ciência – e durante os anos 1980 e 1990, eles eram uma linha dominante definindo o que fazemos.
Por que os pedidos por uma maior civilidade são tão persistentes? Isso é uma conseqüência inevitável da tensão entre dois dos papéis fundamentais do ceticismo: a crítica (que é inerentemente conflituosa, pelo menos em algum grau) e o alcance educacional (que deve, por sua natureza, alcançar as pessoas). O resultado é que os pedidos por “Mais ação! Arregacem as mangas!” têm sempre sido alternados com pedidos por uma abordagem mais empática e ciente de nossos objetivos.
Mas vamos deixar a análise do “por quê” para outro dia. Por agora, é suficiente nos voltarmos para uma pequena seleção de séculos de discussões no ceticismo sobre o “tom” do que fazemos.
Antes de começarmos, devo observar de passagem que eu rufei os tambores da civilidade durante anos. (Para exemplos recentes, considere a minha discussão em 2009 sobre civilidade com Maria Walters e Blake Smith do MonsterTalk no podcast Skepchick, ou a seção “Não xingue as pessoas” do meu painel de ativismo O que devo fazer em seguida? em PDF. Essas foram lições aprendidas duramente do meu trabalho de criticar a criptozoologia e as alegações paranormais, e não tinha nada a ver com religião.)
Mas você já sabia que eu promovo essas coisas. Vejamos o que outros têm dito.
Perceba que isso não é de forma alguma uma revisão exaustiva da literatura. Esses são apenas alguns dos primeiros exemplos que me vêm à mente. Mesmo assim, estou passando direto por alguns dos mais recentes trabalhos relacionados ao tema, incluindo a apresentação de 2010 “Não Seja um Cretino: Etiqueta para Ateístas e Céticos” de Rebecca Watson (na qual ela conclama: “Faça o que for preciso para lembrar que a pessoa com quem você está falando é um ser humano!” e o podcast de curta duração Actually Speaking (que tenta explorar “O Lado Humano do Ceticismo”). Além disso, note que esta é explicitamente concebida como uma introdução para uma escola de pensamento proeminente dentro do ceticismo científico; o outro lado do pêndulo vai ter que esperar por outro post. Finalmente, note que estou deixando de lado discussões semelhantes em muitas outras esferas (como o ateísmo, política, jogos online e a blogosfera como um todo).
Apelos Céticos à Civilidade Antes de NSC
2010
O paralelo mais divertidamente exato de “Não Seja um Cretino” deve ser “Não seja um Idiota!” – um artigo que Jonathan Abrams, presidente dos Céticos de Ottawa escreveu poucos meses antes do discurso de Plait. “Quando contrariar uma alegação”, Abrams alertou, “faça o possível para evitar o desentendimento pessoal. Seja humilde, admita que você possa estar errado também, mas o mais importante: não seja um idiota”.2008
Abrams, por sua vez foi inspirado pelo próprio Skepticblog de Brian Dunning, que em 2008 explorou o assunto “Como Ser um Cético e ainda ter amigos.”“Disseminar o pensamento crítico envolvendo-se em conversas com seus amigos deve ser uma maneira de criar laços, não feridas. Se você quiser extrair o essencial deste podcast, é exatamente isso. Concentre-se no que vocês concordam. Eu descobri que isso converteu as pessoas que me viam como um inimigo e vinham desafiar-me com novas alegações em amigos que procuram a minha opinião sobre as histórias que lhes parecem improváveis”.
2004
Um marco importante foi um artigo da Skeptical Inquirer em 2004 chamado “Cruzando o Abismo entre as Duas Culturas”. Escrito por uma autora chamada Karla McLaren que fazia parte do movimento da Nova Era que acabou se envolvendo com a comunidade cética,[3] este trabalho comovente compartilhou uma perspectiva da audiência que os céticos precisavam ouvir.“Por que eu tenho que digitar a palavra “charlatão” quando quero um comentário cético sobre as escolhas que faço nos serviços de saúde? E por que eu tenho que gastar tanto tempo traduzindo nos sites céticos que visito – ou apenas pulando palavras como golpista, impostor, charlatão, fraude, crente e tolo? Por que eu (o tipo de pessoa que realmente precisa de informações céticas) tenho de me ver descrita em termos ofensivos e abaixar minha cabeça cheia de vergonha antes que possa realmente acessar as informações disponíveis em sua cultura?”Boa pergunta. Fiquei comovido com este artigo.
McLaren destacou uma falha crítica e sistemática na divulgação cética e na mídia cética: ela é criada por céticos, e seu sucesso é medido pela aprovação de outros céticos. Nossas informações que por vezes salvam vidas parecem quase intencionalmente voltadas para atingir a pequena minoria de pessoas que não precisa dela – e para repelir a maioria,[4] que o faz. (Como o discurso NSUC de Phil Plait diz: “Olhe, nós temos que admitir que a nossa reputação entre a maioria da população não é exatamente uma maravilha.”)
Lembrando Carl Sagan de forma profunda, McLaren enfatizou que “a busca da verdade, a preocupação com o bem-estar dos outros, a necessidade de ser tratado com respeito e a necessidade de ser acolhido em uma cultura – essas são coisas que a minha turma compartilha com vocês.” Ela implorou pela construção de pontes: tentativas inteligentes, acolhedoras de genuinamente comunicar-se com aqueles que mais precisam.
Mas nada disso era novo para os anos 2000. Absolutamente.
1999
Considere o movimento como foi descrito no artigo da folclorista Stephanie Hall em 1999, “O Folclore e o Surgimento da Moderação Entre os Céticos Organizados.” Sua análise do movimento naquele momento soa muito diferente da situação de hoje, mas é consistente com as minhas próprias lembranças. Durante a década de 1990, o “ceticismo científico” de escopo limitado era dominante entre os grupos céticos locais, regionais e nacionais e, graças à influência do astrônomo Carl Sagan (quase certamente a mais amplamente admirada voz pública pelo ceticismo científico) a tendência foi levar os céticos para mais longe da retórica exaltada, hostil, autoritária.Os Argumentos NSUC de Sagan
1996
Carl Sagan esteve envolvido com o primeiro grupo cético norte-americano de sucesso (CSICOP, agora chamado CSI) desde a sua formação em 1976. Mas o seu envolvimento com o ativismo cético retrocede além dessa data – e, ironicamente, o seu primeiro ato foi o de se opor ao “tom” de um projeto cético.Foi um caso que significou tanto para ele que ele ainda estava falando sobre isso 20 anos depois. Como lembrou Sagan no livro de 1996 O Mundo Assombrado pelos Demônios (na minha opinião, o melhor livro cético já escrito),
“Na metade dos anos 70, um astrônomo que admiro redigiu um manifesto modesto chamado “Objeções à astrologia”, e me pediu que o endossasse. Lutei com o seu fraseado, e por fim me vi incapaz de assinar – não porque achasse que a astrologia tem alguma validade, mas porque sentia (e ainda sinto) que o tom do discurso era autoritário”.[5]Convido você a ler “Objeções à Astrologia” antes de continuarmos. (É curto. Vamos te esperar.) Você vai notar que ele é leve para os padrões da blogosfera, e não muito diferente de projetos céticos atuais (como a campanha “10:23” contra a homeopatia). Então, qual era o problema de Sagan com a declaração, que foi, afinal de contas, assinada por vários vencedores do Prêmio Nobel?
A declaração denunciava o que chamava de “as afirmações pretensiosas dos charlatães astrológicos”, mas não conseguiu fazer uma investigação séria, um caso baseado na ciência para apoiar esta opinião. “Eu teria endossado”, refletiu Sagan, “uma declaração que descrevesse e refutasse os principais dogmas da crença astrológica.”
Em vez disso, ele sentiu, este “rejeição arrogante por um grupo de cientistas”, simplesmente decretou que a astrologia é estúpida. “Ele criticava a astrologia”, Sagan observou, “por ter origens encobertas na superstição” – mas o mesmo acontece com muitas ciências legítimas. E daí? A pergunta é se isto funciona. Sagan continuou:
“E então havia especulação sobre as motivações psicológicas daqueles que acreditam na astrologia. Esses motivos – por exemplo, o sentimento de impotência num mundo complexo, penoso e imprevisível – poderiam explicar por que a astrologia não é geralmente submetida ao exame cético que merece, mas ficam à margem da questão que é de saber se ela funciona.(Sabíamos que muitas coisas eram verdade muito antes de sabermos por que eram verdade).
A declaração enfatizava ser impensável um mecanismo pelo qual a astrologia pudesse funcionar. Esse ponto é decerto relevante, mas por si só não é convincente”.
Os argumentos de Sagan sobre o tom foram amplamente aceitos, e ajudaram a definir o ceticismo da década de 1990. Em particular, seria difícil exagerar a influência de “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, que explicitamente reconheceu o problema do tom:
“Já ouvi um cético falar de modo superior e desdenhoso? Certamente. Às vezes até escutei, para minha posterior consternação, esse tom desagradável na minha própria voz. … Pela forma como o ceticismo é às vezes aplicado a questões de interesse público, há uma tendência para apequenar os opositores, tratá-los com ar de superioridade, ignorar o fato de que, iludidos ou não, os adeptos da superstição e da pseudociência são seres humanos com sentimentos reais que, como os céticos, tentam compreender como o mundo funciona e qual poderia ser o nosso papel nele. Em muitos casos, seus motivos se harmonizam com a ciência. Se a sua cultura não lhes deu todas as ferramentas necessárias para levar adiante essa grande busca, vamos moderar as nossas críticas com bondade. Nenhum de nós nasce plenamente equipado”.[6]Note que a crítica de Sagan foi em todos os sentidos idêntica aos argumentos do discurso NSC de Plait. Sagan escreveu,
“Entretanto, a principal deficiência que vejo no movimento cético está na sua polarização: Nós versus Eles – o sentimento de que nós temos o monopólio da verdade; de que as outras pessoas que acreditam em todas essas doutrinas estúpidas são imbecis; de que, se forem sensatas, elas vão nos escutar; e de que, se não o fizerem, estão fora do alcance da redenção. Isso não é construtivo. Não consegue transmitir a mensagem. Condena os céticos a um permanente status de minoria; ao passo que uma abordagem compassiva, que desde o início reconhecesse as raízes humanas da pseudociência e da superstição, poderia ser aceita por muito mais gente”.[7]
O Bom e Velho Senso Comum
1992
Algumas vezes se diz que o ceticismo não tem um manual; mas a investigação cética, ao menos, tem mais de um. Estes incluem Peças Faltantes — Como Investigar Fantasmas, OVNIs, Psíquicos, & Outros Mistérios, por Robert Baker e Joe Nickell; e o recente Investigação Científica do Paranormal: Como Resolver Mistérios Inexplicados de Ben Radford.Como um guia prático, o livro de 1992 de Nickell e Baker está, naturalmente, repleto de conselhos práticos. Empatia e cortesia são enfatizadas por todo o livro como as melhores práticas. Esta passagem (sob o cabeçalho da seção “Algumas Questões Éticas”) é particularmente contundente.
“Você pode evitar dilemas éticos na maioria das vezes usando o seu bom e velho senso comum e o bom senso. Se você faria mais mal para as pessoas ridicularizando as suas crenças religiosas em vez de permitir-lhes mantê-las e ainda ajudá-las a resolver os seus problemas imediatos, você esqueça as crenças delas e as ajude a resolver os seus problemas urgentes. Esta é a única coisa ética a fazer. O fanatismo, quer por parte de um cético, quer por parte de um psíquico, é igualmente deplorável”.[8]Essa reserva nem era simplesmente uma questão de compaixão, de acordo com Peças Faltantes, mas de responsabilidade.
“Infelizmente, muitas vezes nos últimos anos, os céticos zelosos exibiram frequentemente mais emoção do que lógica, fizeram acusações violentas de que a evidência falhou em dar apoio, não conseguiram comprovar as suas afirmações e, geralmente, não fez o que era necessário para tornar os seus desafios credíveis. Tais críticas irrefletidas podem fazer muito mais mal do que bem”.[9]Os conselhos deles? Sigam os passos descritos pelo psicólogo Ray Hyman, em seu artigo “A crítica adequada” (que nós abordaremos brevemente) – especialmente “O princípio da caridade.”
Não se Deve Escarnecer das Ações Humanas, Mas Compreendê-las
1992
Fundada em 1992, a revista Skeptic foi inspirada no exemplo de Carl Sagan – e tem sido um projeto explicitamente consciente de seu tom desde o primeiro dia. Michael Shermer é bem conhecido por sua exploração de por que as pessoas inteligentes acreditam em coisas estranhas (um tema que ele aborda, mais uma vez, em seu livro lançado em 2011 O Cérebro Crente); não é nenhuma surpresa que ele e Pat Linse decidiram promover esta máxima de Spinoza como a mensagem no coração da Sociedade de Céticos:“Eu fiz um esforço incessante para não ridicularizar, não lamentar, não desprezar as ações humanas, mas para compreendê-las”.Refletindo sobre este lema, Pat Linse, co-editor da Skeptic, recorda,
“Quando eu trabalhei em uma caixa registradora, um dos melhores indícios de que eu estava prestes a receber um cheque sem fundos era uma atitude agressiva por parte do cliente. É o mesmo com uma discussão. Um dos melhores indicadores de um argumento fraco é a agressão por parte da pessoa que faz isso”.[10]Além disso, como Michael Shermer enfatiza,
“Se você começar uma conversa com as pessoas lhes dizendo que as suas crenças mais queridas e enraizadas são um total absurdo e ridículas, você encerrou a conversa antes mesmo de ela começar – e fechou a porta a qualquer outra comunicação sobre as virtudes do ceticismo”.[11]Esses sentimentos são construídos em suas palestras, e não são só conversa. Shermer manteve-se firme na abordagem calma, de busca da verdade, mesmo diante de uma pressão enorme, e mesmo quando a tentação possa ter sido julgar primeiro e entender depois.
Em 14 de março de 1994, Shermer apareceu no The Phil Donahue Show (uma fábrica de audiência pioneira do gênero de entrevistas diárias depois dominado por Oprah*) para refutar as alegações dos negadores do Holocausto Bradley Smith e David Cole. (Vídeo) Shermer lembrou o que aconteceu durante um intervalo comercial entre os segmentos do debate:
“Pensando que eu tinha me saído bem em analisar as metodologias dos negadores, eu estava confortavelmente à espera do próximo segmento, quando o produtor veio correndo para mim. “Shermer, o que você está fazendo? O que você está fazendo? Você precisa ser mais agressivo. Meu chefe está furioso. Vamos lá!” Eu fiquei chocado. Aparentemente ou Donahue acreditava que os negadores do Holocausto poderiam ser refutados em questão de minutos, ou ele estava esperando que eu iria apenas chamá-los de anti-semitas como ele fez e encerrado o assunto”.[12]Shermer certamente defendeu a história legítima, e ele criticou os argumentos dos revisionistas; mas ele não passou para os ataques pessoais. Em vez disso, ele realmente concordou diante da câmera com algumas das reivindicações feitas pelos negadores do Holocausto – porque aquelas afirmações particulares por acaso eram verdadeiras. Algum palpite sobre se ele gostava de estar nessa posição? A resposta é que não importa: Shermer é um cético e historiador. A verdade deve vir em primeiro lugar.
Pesquisando para o seu livro de 2000, Negando a História, os co-autores Michael Shermer e Alex Grobman rejeitaram críticas profissionais de que era impróprio que eles tivessem encontros cordiais com negadores do Holocausto.
“Ao lidar com as reivindicações dos negadores do Holocausto, acreditamos que não é o suficiente sermos acadêmicos numa torre de marfim, tentando alcançar a objetividade com a distância, quando os sujeitos que fazem essas alegações são amigáveis, ansiosos para conversar, e estão a apenas um telefonema ou vôo de distância. …Este é um aspecto pouco apreciado para a questão do tom: a vantagem de pesquisa da colegialidade. Quando os céticos tratam os adversários com cortesia, estamos melhor posicionados para adquirir a compreensão que precisamos para sermos críticos bem informados e eficazes.[14] Durante a aventura de Shermer no Donahue, o anfitrião logo se viu em apuros,* porque lhe faltava o conhecimento específico sobre o revisionismo do Holocausto. Isso pode acontecer facilmente para os céticos que se negam a ter conversas em profundidade através de divisões ideológicas profundas.
As fontes primárias são a ferramenta mais importante do historiador, e o que poderia ser mais primário em escrever um livro sobre a negação do Holocausto do que reunir-se com os próprios negadores, ver seus escritórios, fazer-lhes perguntas, ler a sua literatura, e, em geral, tentar entrar em suas mentes?”[13]
O Lado Negro do Ridículo
Os críticos freqüentemente emolduram os debates de civilidade como uma dicotomia: seja comedido ou seja honesto. Mas os céticos há muito tempo aprenderam que a escolha é freqüentemente entre comedimento honesto e inventar coisas. Isso é, a incivilidade às vezes vai de mãos dadas com o exagero, imprecisão factual e responsabilidade legal. (Considere frases céticas comuns tais como “Ele é uma fraude”. Essa frase sempre insulta, mas só de vez em quando é verdadeira).1991
O cético Jim Lippard abordou isso em seu artigo de 1991, “Como não discutir com Criacionistas”, publicado no jornal Criação/Evolução do Centro nacional para Educação Científica. De acordo com Lippard, “os oponentes do criacionismo na Austrália envolveram-se em táticas que levaram ao pedido de desculpas públicas aos criacionistas por rádio e mídia impressa, a crítica por outros opositores do criacionismo, e até mesmo ação judicial.” Ele forneceu vários estudos de caso detalhados, que eu convido os céticos a lerem.Por exemplo, Lippard criticou o que chamou de “falsas declarações” de Ian Plimer, que estava entre os adversários mais contundentes do criacionismo. (Plimer é mais conhecido aos céticos de hoje por seus ataques muito controversos contra a ciência do clima). Lippard citou casos em que Plimer fez graves acusações sobre irregularidades financeiras por parte de organizações criacionistas – alegações pelas quais a Companhia de Radiodifusão da Austrália e o jornal Media Information Australia[15] mais tarde pediram desculpas.
Lippard também citou uma carta na qual Plimer escreveu sobre “um grupo de jovens (principalmente meninos) acompanhando o [criacionista Duane] Gish os quais continuamente o tocavam. Isso é igual ao testemunho de outras fontes que lançam luz sobre a vida pessoal de Gish e que faz com que Jimmy Swaggart pareça um guardião moral da fé.” Lippard concluiu que essa alegação era uma “insinuação ad hominem sem base.” (O próprio Gish chamou de “uma escandalosa falsidade caluniosa”, dizendo “Eu desafio Plimer a produzir um pingo de evidência para apoiar a acusação acima.”)
Note que os argumentos de Lippard por “um estilo mais cuidadoso de debate e disputa” foram pragmáticos:
“Ian Plimer e outros têm defendido seu estilo com o fundamento de que o criacionismo é um movimento político ao invés de científico. A minha impressão é que eles acham que o criacionismo deve ser detido a qualquer custo, por quase todos os meios disponíveis. … Enquanto o estilo mão de ferro poderia convencer algumas pessoas de que o criacionismo é ridículo e que não vale a pena ser considerado seriamente pelos cientistas, deturpações certamente virão à luz (como têm vindo). Quando isso ocorre, todos os ganhos de curto prazo e mais são perdidos.Lippard não foi, aliás, o primeiro advogado da ciência a expressar preocupação sobre a abordagem de Plimer. Em 1989, David Suzuki utilizou Plimer como um exemplo para sua crítica que “alguns evolucionistas se tornaram fanáticos em sua busca da verdade, sendo tão rancorosos quanto seus alvos.”[17]
Não devemos perder de vista o fato de que não importa quão tolo o criacionismo pareça de uma perspectiva informada, aqueles que aderem a ele são seres humanos. … O ridículo e o abuso simplesmente confirmam as suas suspeitas sobre os malignos evolucionistas conspiratórios que estão tentando suprimir o ponto de vista criacionista”.[16]
Revendo a questão, Lippard ofereceu uma simples conclusão: “Os opositores do criacionismo não devem usar a mesma tática que os criacionistas costumam usar; eles devem ser cuidadosos, honestos e acurados.”
(Não está diretamente relacionado, mas Plimer mais tarde levou a sua batalha contra o criacionismo ao tribunal – e diz-se acabou tendo que pagar meio milhão de dólares em custos judiciais.)
Crítica Apropriada
1987
Isto nos leva ao que pode ser o argumento mais conciso e valioso já defendido para o comedimento cético: um artigo de 1987 chamado “A crítica adequada”, escrito pelo psicólogo Ray Hyman (outro fundador do CSICOP). De acordo com o diretor executivo do CSI, Barry Karr, “A crítica adequada” de Hyman é “provavelmente o item mais reimpresso e amplamente divulgado que já apareceu na Skeptical Inquirer ou na Skeptical Briefs”, sendo amplamente adotado e reproduzido por organizações céticas em todo os Estados Unidos – e em todo o mundo.[18]“A crítica adequada” veio no final da infância do movimento cético, depois de uma década passada aprendendo a dura lição de que, como Hyman, “a tarefa do crítico, se é para ser realizada adequadamente, é ao mesmo tempo desafiadora e cheia de perigos imprevistos.”
Que perigos? Processos estavam na lista de Hyman (não sem razão: James Randi e o CSICOP logo acabaram enfrentando um processo de difamação de $15 milhões de dólares – uma ameaça sempre presente que pode levar os céticos à ruína hoje). Desperdícios era outro:
“Durante a primeira década de existência do CSICOP, os membros do Conselho Executivo, muitas vezes viram-se dedicando a maior parte do tempo disponível para controlar os danos – gerado pelos comentários descuidados de colegas céticos – em vez de para a causa comum de explicar a agenda cética”.[19]Mas Hyman estava mais preocupado quanto à integridade:
“Nós podemos fazer melhorias enormes em nossos esforços coletivos e individuais, por simplesmente tentar aderir a esses padrões que nós professamos admirar e que acreditamos que muitos dos vendedores ambulantes do paranormal violam. Se nós próprios nos vemos como os defensores da racionalidade, da ciência e da objetividade, então devemos mostrar essas mesmas qualidades em nossas críticas. Apenas por tentar falar e escrever no espírito de precisão, ciência, lógica e racionalidade … elevaríamos a qualidade de nossas críticas por pelo menos uma ordem de magnitude”.Hyman tinha sugestões concretas sobre como realizar isso, discutidas nestes subtítulos:
1. Esteja preparado.(Você notará que esta lista de um quarto de século de idade cobre exatamente o mesmo terreno que os dois discursos mais desafiadores na conferência de 2010 da TAM8: o discurso NSC de Plait e o alerta de Massimo Pigliucci para os céticos sobre a arrogância de opinar fora de nossa competência.)
2. Esclareça os seus objetivos.
3. Faça seu dever de casa.
4. Não vá além do seu nível de competência.
5. Deixe que os fatos falem por si.
6. Seja preciso.
7. Use o princípio da caridade.
8. Evite palavras carregadas e sensacionalismo.
Destes princípios, Hyman antecipou que o “princípio da caridade” pode ser o mais controverso.
“Sei que muitos de meus colegas críticos acharão este princípio intragável. Para alguns, os crentes no paranormal são o “inimigo”, e parece inconsistente dar-lhes o benefício da dúvida.* Mas ser caridoso com as alegações paranormais é simplesmente o outro lado de ser honesto e justo”.Isto é funcionalmente equivalente ao “engajamento justo” de Steven Novella, ou à “Suposição de boa-fé” da Wikipédia: faça um esforço genuíno para entender o melhor ponto do seu oponente, e prossiga nisso; não assuma motivos ímpios que não estão em evidência. Como Hyman continuou,
“Nós freqüentemente podemos questionar a precisão ou a validade de uma dada afirmação paranormal. Mas raramente estamos em posição de saber se aquele que a defende está deliberadamente mentindo ou está auto-iludido. Além disso, muitas vezes temos uma escolha em como interpretar ou retratar os argumentos de um oponente. O princípio nos diz para retratar a posição do adversário de um modo objetivo, imparcial e não emocional”.Isto, diz Barry Karr, “nos fornece um lembrete necessário de que estamos no ramo de examinar as alegações e de criticar as idéias, não a pessoa. Sim, nós podemos ser firmes em nossas objeções, mas acima de tudo temos de ser justos e honestos na nossa abordagem.”
O Conselho Executivo do CSI continua a lutar com questões éticas espinhosas, em que Hyman e o seu pensamento permanecem como luzes orientadoras. Como Kendrick Frazier (Editor da Skeptical Inquirer nos últimos 34 anos) explica,
“A crítica adequada” é e tem sido um dos principais guias éticos e estratégicos para os céticos. É especialmente importante que a nova geração de céticos a leia e adote. Ela fornece uma noção das disputas antigas pelas quais céticos passaram, como evitá-las e, mais importante, como ser eficaz.[20]
Uma Cisma Inicial
1977
O sociólogo Marcello Truzzi foi um membro fundador do CSICOP (de fato, o CSICOP foi criado a partir de um grupo novato que Truzzi iniciou em 1975), e o primeiro editor de seu periódico, The Zetetic (agora chamado Skeptical Inquirer). Ele renunciou a esse cargo depois de apenas duas edições alegando diferenças de princípio – incluindo as questões ligadas a tom e abertura.Comentando sobre a renúncia de Truzzi, o jornal Science resumiu a discordância:
“Há, portanto, um espectro de opinião sobre o comitê dentre aqueles que tendem a favorecer uma linha mais dura, desmascarando o tratamento do paranormal e aqueles que tendem para uma avaliação cética, mas de mente aberta das alegações paranormais. Os “céticos” desejam implantar todo o poder do método científico contra crenças paranormais; os “céticos” consideram que tal prejulgamento das alegações paranormais é tão anti-científico como algumas das próprias alegações podem ser”.[21]Ray Hyman é citado neste mesmo artigo da Science, expressando um sentimento que prenuncia o seu artigo “A crítica adequada” 10 anos depois:
“Pessoas com um passado em mágica … tendem a ver isto como uma cruzada pela mente das pessoas, na qual devemos usar fogo contra fogo, e não sermos muito sutis ou eruditos ou vamos perder por omissão. Acredito que seria mais eficaz sermos mais eruditos e construir a nossa credibilidade”.Truzzi passou a escrever décadas de críticas do ceticismo organizado, e fez alguns acertos notáveis. (Seu artigo de 1987 “Sobre o Pseudo-ceticismo” é essencialmente idêntico em conteúdo ao meu recente “Escalando o Monte Heinlein”). Ainda assim, continuo não persuadido pelo seu desdém geral para o estilo de ceticismo do CSICOP. Um advogado do diabo, afinal, diz apenas a metade de toda a história. De qualquer maneira, Truzzi foi uma figura fundamental na criação do movimento cético da língua inglesa: ele ajudou a criar os primeiros grupos céticos norte-americanos, ele foi o editor original da primeira publicação cética norte-americana, e ele recebe o crédito por ter cunhado a frase “uma alegação extraordinária exige provas extraordinárias” (mais famosa na forma modificada usada posteriormente por Sagan, embora o sentimento anteceda ambos).[22]
E lá no início: a batalha sobre o tom.
Sem Lágrimas, Sem Honras, Sem Cânticos
1838
E, no entanto, os argumentos sobre o tom do ceticismo antecedem mesmo a fundação das primeiras organizações céticas. Eles são anteriores à televisão, aviões e lâmpadas elétricas.Muito antes da invenção do Pé Grande, ou dos discos voadores, ou de quiropratas, ou do espiritualismo, ou da “pesquisa psíquica”, os céticos estavam fazendo apelos fervorosos para outros céticos sobre o tom.
Vou encerrar hoje com uma longa citação do livro de 1838 Impostores de Nova Iorque.
Ela realmente diz tudo.
“Infelizmente, no entanto, aqueles que têm se vestido com a armadura contra as loucuras dos tempos, têm sido muitas vezes imprudentes e indiscretos no caráter e no espírito de suas ações. Desgostosos com a estupidez das vítimas da ilusão, e provocados por sua adesão obstinada ao erro, eles as atacaram de forma pessoal, em vez de atacar a falsa filosofia e a pseudo-filantropia que lhes foram impostas, e assim eles criaram um show de intolerância que tem sido fatal para o seu sucesso. …
A perseguição só serve para propagar novas teorias, sejam da filosofia ou da religião, como a história do mundo demonstra; e isso nunca falhou, fossem essas teorias verdadeiras ou falsas. Elas adquirem um vigor novo sob os golpes da intolerância, e como insetos vivazes parecem se multiplicar por dissecção. Assim, todas as tentativas para acabar com os impostores, ou os entusiastas, pela censura e pela injúria, dirigida contra eles pessoalmente, por causa de suas loucuras ou de seus crimes, jamais foi vencida. Eles próprios são tão sensíveis que a oposição deste tipo promove a sua causa, de forma que eles desejam, convidam, e até mesmo provocam isso. De fato, algumas das loucuras populares atuais se devem apenas às perseguições alegadas ou reais que sofreram, não só aos seus devotos, mas mesmo à sua existência presente; não fosse por isso há muito teriam descido para o túmulo dos Capuletos, “sem lágrimas, sem honras, sem cânticos.”[23]
[1] Plait pegou emprestada a frase “não seja um cretino” de uma máxima existente na internet, a Lei Wheaton, e a incluiu perto do fim do seu discurso como um floreio retórico. Seu argumento poderia ter sido feito sem ele (como, aliás, Carl Sagan fez em 1996). Era previsível que “Phil está nos chamando de cretinos!” iria dominar a discussão, em muitos casos, deixando-se de lado os argumentos de Plait? Provavelmente. É lamentável que este tenha sido o resultado, mas isso demonstra o que Plait queria dizer. Quando as pessoas se sentem insultadas, o insulto torna-se a discussão.[imagem inicial: sxc.hu/bluegum]
[2] Veja meus posts (entre outros): “Horse-Laughs, the Rapture, and Ticking Bombs”;“Skeptics as Model Train Lovers (Part II)”; “The Reasonableness of Weird Things”; ou,“Bring on the Science of Honey and Vinegar.”
[3] “Eu não sou apenas um membro da comunidade da Nova Era”, enfatizou McLaren. “Eu também tenho sido uma fonte de muitas das coisas com as quais a comunidade cética se preocupa. Eu estive envolvida na metafísica e na Nova Era por mais de 30 anos, eu escrevi quatro livros e gravei cinco cds sobre a matéria, e eu era considerada uma das líderes no campo.” Seus livros anteriores incluem títulos tais como Sua Aura e Seus Chakras: Manual do Proprietário. (Seu recente livro A Linguagem das Emoções enfatiza a ciência social, continuando em uma veia de auto-ajuda.) Muito tem se falado sobre a sua jornada em direção ao ceticismo, mas é a sua visão sobre a cultura da Nova Era que é útil a este “tom” da discussão.
[4] Como observa Michael Shermer em seu post “A Demografia da Crença”, “Embora os percentuais específicos da crença no sobrenatural e no paranormal entre os países e as décadas variem um pouco, os números permanecem bastante consistentes de que a maioria das pessoas tem algum tipo de crença paranormal ou sobrenatural.”
[5] Sagan, Carl. The Demon-Haunted World. (Random House: New York, 1996.) p. 302
[6] ibid. p. 297–298
[7] ibid. p. 300
[8] Baker, Robert and Joe Nickell. Missing Pieces: How to Investigate Ghosts, UFOs, Psychics, & Other Mysteries. (Prometheus Books: Buffalo, New York, 1992.) p. 298
[9] ibid. p. 286. Esta passagem foi extraída com pouca modificação do artigo de Ray Hyman que eles estavam discutindo.
[10] Comunicação pessoal de Pat Linse. 16 de junho de 2011
[11] Comunicação pessoal de Michael Shermer. 20 de junho de 2011.
* a ratings powerhouse that pioneered the daytime talk genre later dominated by Oprah
[12] Shermer, Michael. Why People Believe Weird Things. (W.H. Freeman and Company: New York, 1997.) p. 179
[13] Shermer, Michael, and Alex Grobman. Denying History. (University of California Press: California, 2002.) p. 2
[14] Um caso clássico no ceticismo é a “familiaridade agradável” entre Harry Houdini (um defraudador implacável de médiuns espíritas) e Ira Davenport (a metade sobrevivente de “Os Irmãos Davenport”, que foram pioneiros superstar da mediunidade de espíritos). Davenport revelou a Houdini “muito de valor histórico sobre os irmãos, que nunca apareceu na imprensa” – ou seja, exatamente como eles o faziam. Enquanto todos os registros anteriores dos irmãos tinham sido “vagos, especulativos, superficiais”, Houdini foi o único investigador a obter a “confissão de um coração aberto” de Ira. Houdini, Harry. A Magician Among the Spiritis. (Fredonia Livros:. Amsterdam, 2002) p. 17-37
* During Shermer’s Donahue adventure, the host soon found himself in over his head
[15] “Apology to Creation Science Foundation Ltd.” Media Information Australia. N º 55. Fevereiro de 1990. p. 64. “… Media Information Australia deseja comunicar que as opiniões e as alegações contidas no artigo acima são do Professor Plimer e não são adotadas ou compartilhadas pela Escola de Cinema, Televisão e Rádio Australiana, seus diretores, empregados e agentes ou os editores e outros envolvidos com a publicação da Media lnformation Australia. Qualquer dano que tenha sido sofrido pela Creation Science Foundation Ltd e seus diretores e outros oficiais e membros e T Duane Gish pedimos desculpas e lamentamos”.
[16] Lippard, Jim. “How Not to Argue With Creationists.” Creation/Evolution. Vol. 11, No. 2 (Winter 1991–1992.) p. 9–21. Full issue PDF. Acessado em 11 de junho de 2011.
[17] Suzuki, David. “Creationism Flourishes in North America.” The Lethbridge Herald, Dec 16, 1989. p. 6
[18] Comunicação pessoal de Barry Karr. 20 de junho de 2011
[19] Hyman, Ray. “Proper Criticism.” Skeptical Inquirer, Vol. 25, No. 4. July / August 2001. p. 53–55.
* To some, the paranormalists are the “enemy,” and it seems inconsistent to lean over backward to give them the benefit of the doubt
[20] Comunicação pessoal de Kendrick Frazier. 20 de junho de 2011.
[21] Wade, Nicholas. “Schism Among Psychic-Watchers.” Science 197. 1977. p. 1344
[22] Articulações anteriores deste sentido também existem; por exemplo, a máxima de David Hume, “Um homem sábio, portanto, proporciona a sua crença à evidência.” Hume, David. An Enquiry Concerning Human Understanding. (Open Court Publishing Company:. Peru, Illinois, 1993) p. 144
[23] Reese, David Meredith. Humbugs of New York: being a remonstrance against popular delusion. (New York: 1838.) p. 14–16.
Fonte: http://www.ceticismoaberto.com/ceticismo/6254/nao-seja-um-cretino

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